Cientistas explicam fenômeno chamado 'embotamento' emocional, que ocorre em até 60% dos pacientes que fazem uso desses remédios
Apatia é relatada por muitos pacientes em tratamento com antidepressivos
FREEPIK
Medicamentos antidepressivos de uma das classes mais usadas, os ISRSs (inibidores seletivos da recaptação de serotonina), também podem provocar em um grande percentual de pacientes um efeito chamado de "embotamento" ou "adormecimento" emocional. Agora, cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, conseguiram explicar por que esse comportamento acontece.
Essa categoria de remédios inclui sertralina, escitalopram, citalopram, fluoxetina, fluvoxamina e paroxetina. São drogas que têm como alvo a serotonina, um importante neurotransmissor cerebral. O objetivo é melhorar a conexão entre os neurônios.
Não é de hoje que esse tema é motivo de estudos científicos. Em 2004 o psiquiatra e pesquisador William Jason Barnhart, publicou um artigo sobre síndrome da apatia induzida por ISRS no Journal of Psychiatric Practice.
"Sem dúvida, se por um lado os ISRSs são muito eficazes na melhoria de alguns sintomas negativos e debilitantes da depressão, por outro, parecem amortecer algumas emoções gratificantes e alegres", escreveu.
O que se tenta entender é o mecanismo por trás dessa apatia, que pode afetar entre 40% e 60% dos indivíduos em uso dessa classe de antidepressivos.
Para o estudo, publicado neste domingo (22) na revista científica Neuropsychopharmacology, os pesquisadores da Inglaterra e da Dinamarca recrutaram 66 indivíduos saudáveis, sendo que 32 deles tomaram escitalopram e outros 34 receberam placebo, sem que ninguém soubesse o que estava tomando.
Passadas cerca de três semanas, os voluntários tiveram que responder questionários de autorrelato, além de fazerem testes para avaliar funções cognitivas, como aprendizado, inibição, função executiva, comportamento de reforço e tomada de decisão.
Os pesquisadores não acharam diferenças significativas entre os dois grupos no quesito cognição "fria", que envolve atenção e memória. Também não houve alterações e na cognição "quente", que envolve emoções.
Por outro lado, eles perceberam que o grupo que tomou escitalopram teve redução da sensibilidade ao reforço, que é a forma como aprendemos com o feedback de nossas ações e do ambiente.
No teste realizado, o grupo do escitalopram se mostrou menos propenso a usar o feedback positivo e negativo para orientar o aprendizado da tarefa.
Os autores do estudo entendem que isso sugere que a droga afetou a sensibilidade dos voluntários às recompensas e a capacidade deles de responderem de acordo.
Os questionários de autorrelato também evidenciaram que os participantes que tomaram o antidepressivo tiveram mais dificuldade em atingir o orgasmo durante o sexo, um efeito colateral frequentemente descrito por quem toma antidepressivos da classe dos ISRS.
"O embotamento emocional é um efeito colateral comum dos antidepressivos ISRS. De certa forma, isso pode ser em parte como eles funcionam – eles tiram um pouco da dor emocional que as pessoas que sofrem de depressão sentem, mas, infelizmente, parece que eles também tiram um pouco do prazer. A partir de nosso estudo, agora podemos ver que isso ocorre porque eles se tornam menos sensíveis às recompensas, que fornecem um feedback importante", comenta em um comunicado a professora Barbara Sahakian, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge e autora sênior do artigo.
A primeira autora conjunta do trabalho, Christelle Langley, do mesmo departamento, afirma que as "descobertas fornecem evidências importantes para o papel da serotonina no aprendizado por reforço".
"Estamos acompanhando esse trabalho com um estudo que examina dados de neuroimagem para entender como o escitalopram afeta o cérebro durante o aprendizado de recompensa", complementa.
O estudo não recomenda, em momento algum, que pessoas em uso de antidepressivos deixem de tomá-los caso sintam algo descrito acima. A decisão por descontinuar o tratamento medicamentoso deve ser avaliada por um médico psiquiatra e sempre feita sob supervisão.
* https://noticias.r7.com/saude/SAÚDE | Fernando Mellis, do R7
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